Marília Oliveira | Salvador, BA










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Quando palavra e imagem se misturam para compor narrativas, essa fricção pode se dar também por dissidência e choque. É assim que construo “Viagem de ano novo”, ensaio em que fotografias analógicas em pb feitas com uma Olympus pen – que duplica os frames – aparecem ao espectador junto a textos datilografados, reunindo em cada quadro/peça/imagem memórias de momentos distintos de uma viagem por Minas Gerais em 2019. As fotografias são todas feitas de dentro do carro em que percorri a extensão do estado desde Belo Horizonte até São Paulo e os textos advém de situações vividas durante as paradas nas cidades que compuseram o roteiro.
Penso nesse trabalho como quando olhamos um álbum de fotografias: o que dizemos sobre as imagens que vemos geralmente não é exatamente sobre elas, muitas vezes extrapola o que é visto e narra situações vividas antes ou depois do clique, impressões sobre “aquele dia” ou sobre aquele período da vida. Assim é neste ensaio: o que a palavra diz é uma expansão do que a fotografia narra. Os dois textos, verbal e visual, se associam para contar do cotidiano de quinze dias viajando em um carro alugado, cruzando um estado em que nunca morei, comemorando o ano novo com minha companheira.
Interessei-me por elaborar obras que dissessem da violência que se abate sobre nossos corpos sapatões durante muito tempo, e ainda ecoa em mim essa violência e esse ódio constitutivo da vida sapatão, ainda me interesso por dizer das dores que nos atravessa, mas agora encaro a tessitura das suavidades e das alegrias que tracejam nossos dias. Pouco importa que o espectador saiba que essa viagem foi realizada por um casal sapatão. Não faz diferença pra mim que reconheçam a natureza da relação entre as pessoas que viajam – inclusive porque elas pairam ausentes das imagens, pousando nas palavras, ecoando junto delas; é importante pra mim, entretanto, que o espectador sinta a suavidade e a doçura desses dias. Que as palavras consigam guiar o olho para além do que a imagem mostra e que a imagem seja pouso do olhar que retorna da palavra procurando onde ancorar.
Confira outras exposições da 7ª edição do Pequeno Encontro da Fotografia.