Das despedidas que não pudemos ter

Bruna Dias | PB

(Eu nunca gostei muito de azul. Também não desgostava, não era uma aversão.  Se só tivesse azul, tudo bem, ia no azul. Mas tendo outras opções eu escolheria outra cor. Só que sempre achei engraçado como minha mãe se referia ao azul mais claro, mais afetado, ela sempre chamou aquela cor de “azul caixão de anjo”. Ela não gosta. Desse tom de azul, dos anjos gosta sim. E eu dela.)

Minha psicóloga me falou uma vez, numa sessão, que era preciso viver os nossos lutos. Não adiantava reprimir o que doía, fingir que não haviam machucados, disfarçar o que magoou a gente. Entendi que precisava deixar minhas águas correrem pelo rosto (e pela alma), e que através da elaboração de certas dores, eu estaria deixando partir o que não podia ficar. A mulher que sou hoje precisou tomar o lugar da que eu fui antes, e eu precisei deixá-la ir. Amores, amizades, sonhos, projetos, coisas que um dia deixaram de fazer sentido e precisaram ficar pelo caminho. O afeto que eu esperei por uma vida inteira não se concretizou como eu idealizei, e precisei abrir mão desse sonho também.  As vezes deu tempo de dar adeus, de olhar uma última vez, outras não.  Tenho pensado muito, nos últimos dias, nas despedidas que não pudemos ter, seja por escolha covarde, seja porque não deu tempo, ou porque não conseguimos entender que estávamos diante de uma última vez. Os tempos andam loucos, a vida por um fio, já são mais de 100 mil mortos no país e o descaso é o consolo. As pessoas não estão podendo se despedir dos seus. E eu acordei certa manhã querendo uma cor. Uma que representasse esse último olhar, cheio da inocência de não sabermos que não haveria um outro depois.  Uma cor que lembrasse o calor que um dia sentimos, mas que deu lugar a um imenso vazio. Uma cor que trouxesse a sensação que fica na pele depois que a lágrima cai, mas já seca, deixou apenas o caminho por onde passou.  Uma cor que viajasse no tempo, e arrastasse através das memórias quem não pôde ficar. Demorei a entender, mas um dia pensando na cor, lembrei do tal azul dos anjos. E aí, pensando em anjos, entendi que a cor seria azul porque das despedidas que eu não pude viver, a mais importante para mim foi a da minha irmã Daniele, que partiu antes de eu chegar, mas certamente segue comigo, me abrindo importantes caminhos, feito um anjo. A série “Das despedidas que não pudemos ter” nasce desse último adeus não dado,  mas que permanece marcado em nós. 

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