Dori Nigro| PE
(Re)parar o tempo: O tempo de pandemia no qual estamos inseridos faz-me (re)pensar constantemente o passado, presente e futuro. Estou distante geograficamente de minha família que vive em Olinda-PE, onde cresci, mas afetiva e virtualmente próximo. Minha mãe e pai, pessoas idosas, com doenças associadas, são vítimas vulneráveis da Covid- 19. Partilhamos nossos tempos em vídeochamadas, através de diálogos ativados pelo o que sobrou do nosso álbum de família. Parte das imagens apagadas pelas enchentes que acometeram Olinda, em anos consecutivos, encontram-se comigo, em Portugal, e outra parte com minha família, no Brasil. Eu, no Porto. Minha mãe e pai, em Olinda. Porto e Olinda têm histórias ancestrais que se cruzam. Em 1500, o Brasil é invadido por portugueses. No ano de 1534, o rei de Portugal D. João III divide o Brasil em capitanias, distribuídas entre pessoas da corte. No mesmo ano, o portuense Duarte Coelho funda Olinda. Após a tomada da cidade pelos portugueses é iniciada a expulsão e dizimação dos povos originários que ali viviam. Antes da chegada dos Portugueses, a cidade tinha seu próprio nome que foi apagado. Chamava-se Marim dos Caetés, em referência a comunidade indígena que habitava aquelas terras. Olinda foi construída aos moldes portugueses, imitando o Bairro Alto de Lisboa e sendo conhecida nos tempos coloniais como a Lisboa pequena. Duarte Coelho ordenou o aterramento dos mananciais, mangues e rios da cidade para a implantação de engenhos de açúcar, fazendo de Olinda a cidade mais rica do Brasil colônia no século XVI. Para trabalhar nos engenhos, os donatários escravizaram indígenas e sequestraram pessoas da África, também fazendo-as escravas, negando todos os seus direitos. Lembro-me quando mais jovem, nos carnavais de Olinda, cantar o mito fundador proferido por Duarte Coelho quando da invasão à cidade: “Oh, linda situação para se fazer uma cidade!”. Das minhas memórias infantis lembro das enchentes que acometiam Olinda. As mais afetadas são populações ribeirinhas, remanescentes das comunidades indígenas e pessoas escravizadas, que foram obrigadas a viver próximas dos rios e mananciais soterrados, por não terem direito à terra após a Lei Áurea de 13 de maio de 1888 nem acesso a uma reforma agrária. Em 2016, mais uma grande enchente devastou a cidade destruindo casas e levando vidas. Meus familiares perderem tudo, tendo de recomeçar suas vidas novamente. Quando as águas baixaram revelou-se o velho e único álbum de família com as imagens apagadas pela lama. Em 2019, a história se repetiu. A vida de minha família e famílias vizinhas é juntar as sobras de si e de suas vidas degastadas pelo tempo. Não é possível avançar sem olhar para o passado. Esse álbum é um enfrentamento de mim mesmo e do mundo. É a resistência para superar este estado que nos coloca estagnado. Essas fotografias são o reflexo de uma Olinda apagada, desgastada e esquecida pela gestão pública, e a distância da dignidade e cidadania, reflexos do colonialismo ainda presente, que como lama soterra vidas, fazendo da minha família e tantas outras existirem na condição da insegurança, medo, pânico… Pandemia constante.
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