Dani Sandrini| SP
Terra terreno território dá nome ao projeto que utiliza duas técnicas do século XIX para propor uma reflexão sobre ser indígena numa grande cidade. Em busca de uma documentação fotográfica à altura da relevância política e cultural de seu tema, as imagens produzidas se mostram como consequências naturais de quem fotografa ciente de que as experiências cotidianas e as relações interpessoais consistem em algo muito mais importante do que as próprias fotografias que podem ser dali extraídas. Capturadas digitalmente, as imagens foram impressas em transparências, gerando grandes negativos colocados em contato direto com dois tipos de suportes: papéis de algodão sensibilizados por uma emulsão à base de jenipapo (fruto que também é usado para a pintura corporal dos indígenas), e em folhas de plantas, processo este conhecido como fitotipia. Ambos os procedimentos exigiram longos períodos de exposição ao sol – dias, às vezes, semanas – permitindo a construção artesanal das impressões sob uma temporalidade impensável para a prática fotográfica vigente, baseada na ferocidade do click, share & like. A opção por tais formatos definiu a estas imagens uma dimensão material extremamente frágil, que as distanciam da longevidade dos sais de prata dos filmes fotográficos ou dos bytes dos arquivos digitais. Como espécies de “fotografias orgânicas”, estas imagens estão destinadas ao desaparecimento, pois tendem a se deteriorar rapidamente sob a ação da luz. Sendo permitido a elas, portanto, uma “morte”, seriam elas mais “vivas” que as fotografias normalmente arquivadas como documentos iconográficos? Frágeis enquanto indícios perenes, tais imagens parecem convocar com mais força nossa sensibilidade e nossos olhares para o tempo presente destas comunidades, exigindo uma reflexão a respeito da responsabilidade que nos cabe frente à construção desta história que está em andamento. A ligação dos indígenas com a terra, com a mata e com os ciclos da natureza é muito presente, mesmo dentre os que estão na cidade há bastante tempo. Assim, a escolha do uso da própria planta e dos pigmentos naturais como suporte nesse processo é quase ritualístico, e remete também aos fazeres manuais e mergulho nos processos, tão importantes nessas comunidades. Como a natureza -onde tudo se transforma -esses processos produzem imagens vivas, já que as folhas sofrem interferências com a passagem do tempo –referência a permanente transformação que a cultura indígena também vive –cultura que não ficou congelada no tempo de 500 anos atrás. A proposta favorece a discussão acerca da fotografia e de seu caráter de memória e documento como algo imutável, ampliando seus contornos e podendo se vincular ao documental de forma bem mais subjetiva.
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